domingo, 20 de agosto de 2017

"Coragem" - Wanderson

Coragem


   No amanhecer de julho ouviu-se o grito da liberdade, cheio de confiança, esperança, sonhos. Era um grito silencioso que apenas uma mulher, Vitória, conseguia ouvir. Esse grito vinha de dentro dela, ou melhor, vinha presente na maioria dos corações da França. Vitória começou a se imaginar livre, com comida farta para ela, seus filhos e seu marido (que não se fazia presente na casa). Voltou à realidade quando seu filho mais novo, Thomas, viera lhe pedir comida. A família consumia o pouco que tinha, e ainda havia dias em que a mãe e o filho mais velho doavam sua comida para Thomas. A mãe pegava um último pedaço de pão que guardava e preparou um suco com as últimas laranjas que encontrou pelo quintal. Era um daqueles dias em que passava fome para ver seu Thomas alimentado.
   Isaac, o mais velho, acordara disposto, mesmo com fome trabalhava sem reclamar, satisfeito em ver o caçula feliz e alimentado. Estavam todos em casa quando Robespierre bateu à porta, trazendo más notícias. 
     - Vitória, pegaram Pierre e Lucas e os prenderam na Bastilha.
     - Minha nossa! Mas o que aconteceu? pergunta a mulher.
     - Foram pegos em flagrante. Respondeu Robespierre.
   Por um momento Vitória reflete, chocada com o ocorrido e assustada com o que poderia vir à acontecer. A situação não era boa, estavam perdendo muitos homens e mulheres, sendo mortos ou presos na Bastilha. A mulher não sabia mais o que fazer, tem medo de lutar pela sua liberdade e se machucar, mas sabia que se não fizesse alguma coisa nunca veria seu marido de novo.
     - Eu vou participar dos protestos! Falou Vitória, decidida. Meu marido começou com isso e irei terminar por ele.
     - Ótimo. Responde Robespierre. Aviso você da próxima manifestação.
   O visitante se despede da família e vai se encontrar com seus amigos. Thomas, que ouviu a conversa escondido não acreditava que o pai fora preso. Não gostava de imaginar ele assim, nas mais precárias condições. Foi então que fez uma escolha perigosa, decidiu ir atrás dele. Sem perder tempo saiu correndo de casa, o mais rápido que pode pois sabia que sua mãe não o deixaria sequer passar pela porta. Isaac, que trabalhava na parte da frente da casa viu seu irmão correr, não pensou duas vezes ao tentar segui-lo. 
     - Thomas! Thomas! Pare! gritava o irmão mais velho. 
   O garoto percebeu seu irmão correndo atrás dele mas não hesitou, continuou à correr. Viu a Grande Bastilha ao longe, e quanto mais se aproximava da instalação percebia também vozes, muitas vozes, via pessoas correndo, se escondendo, mas não queria desistir do seu objetivo.
   Vitória estava trabalhando, concentrada à ponto de nem perceber a ausência dos filhos. Estava imaginando o reencontro com Pietro, seu marido, imaginou-se nos braços dele, acolhida, se sentindo segura. Lembrou-se do dia em que se uniram, do momento em que ele olhava fixamente em seus olhos e disse: "Eu te amo, minha mulher!". Lágrimas começaram à cair, pesadas. Sentia saudade dele. Enxugou as lágrimas rapidamente, pois não queria que seus filhos à vissem assim. Quando olhou ao redor não encontro Thomas, depois foi até a frente de casa e não viu Isaac. Os chamou pela casa e nada de resposta, até que ouviu gritos vindo da rua. 
   Correu até a entrada e viu algumas pessoas gritando alegremente e dançando, sem ter vergonha de fazer aquilo. Vitória reconheceu uma amiga na rua, Noora era o seu nome. 
     - Noora! Exclama Vitória. O que aconteceu?
     - A Grande Bastilha caiu. Respondeu alegremente a mulher. 
     - Como isso aconteceu? 
     - Não sei, o que viu foi uma enorme movimentação na área. Vi até seus filhos, que bom que deixou eles participarem de algo tão importante assim. 
   Vitória estremeceu, não perdeu tempo e foi logo à procura de seus filhos.
   Durante o caminho percebeu que apareciam mais pessoas feridas e de vez em quando via também camponeses e soldados mortos. Não parava um instante, não conseguia imaginar seus filhos naquela situação. 
   Ao chegar na Praça da Bastilha viu que os soldados estavam atacando e matando quem estivesse no caminho, então correu mais um pouco e sem querer esbarrou em um garoto que estava no chão. Ao se levantar da queda Vitória olhou para o garoto e ficou aterrorizada ao ver que estava morto. O desespero tomou conta de si, olhava para um lado e para o outro tentando encontrar seus filhos em meio à multidão. Enquanto corria, pisava em alguns corpos e por vezes escorregava em cima deles. Fitava-os pelo rosto para ter certeza de que não eram Isaac e Thomas. De longe avistou um menino parecido com o caçula, o que deixou seu coração apertado. 
   Quando o garoto virou o rosto em sua direção ela teve certeza. Era Thomas. 
   O garoto e a mãe correram para a troca de abraços, o que parecia, naquele momento, o lugar mais seguro do mundo. Thomas estava chorando, não conseguia  falar e apontou para uma direção. Vitória sabia que ele queria mostrar algo. Era Pietro, seu marido. O coração disparou, adrenalina no sangue, pernas "bambas". Só pensava em beijá-lo e nada mais. Saiu correndo, de mãos dadas com Thomas até perto de Pietro. Ela viu que ele estava ajoelhado perto de um corpo ensaguentado, era Isaac, morto. 
   Naquele momento o caos passou à acontecer em seu interior, uma mistura de raiva, tristeza, desespero, ela estava parada no mesmo lugar. Uma fonte de lágrimas. Pietro à abraçou, embora o mundo estivesse desabando ali, os dois não se importavam com a destruição ao seu redor, talvez porque um caos maior estava acontecendo dentro deles. Após o abraço ele enxugou as lágrimas dela com as próprias mãos e disse o que Vitória queria ouvir naquele momento:
     - Minha Vitória, disse Pietro, tudo vai ficar bem. Eu amo você. 
   Por mais simples que foram aquelas palavras, trouxeram conforto para ela. Não conseguia falar, andar, correr. Só ficou ali parada, nos braços do marido. Tais palavras se tornaram mais especiais ainda porque foram as últimas ditas antes de uma espada atravessar o peito de Pietro.
   O soldado, sem perder tempo empurrou a mulher para que não pudesse fugir. Thomas, enfurecido, pula nas costas do soldado tentando livrar a mãe da morte. Vitória fica de joelhos e beija a testa do marido já morto e sussurra "Eu te amo", despedindo-se. Viu o soldado batendo no filho, seu rosto ficou enfurecido, cheio de ódio, pegou um rifle caído no chão, ajustou a mira e atirou. A bala se aloja na nuca do soldado. 
   Ela foi até Thomas e pergunta se ele estava bem, mas o filho ignora a pergunta da mãe e indaga:
     - Vamos para casa agora?
     - Você quer ir pra lá? rebate Vitória.
     - Não, eu quero lutar! responde Thomas, decidido. 
     - Assim será, mas fique perto de mim. 
   Vitória continua: 
     - Pegue uma arma. Atire comigo. Vamos terminar o que seu pai estava fazendo.
     - E o que ele estava fazendo? pergunta Thomas.
     - Conquistando nossa liberdade. 
   Vitória e o filho atiram em todo soldado que vêem pela frente, sem hesitar. A determinação dela atrai a atenção dos camponeses. Levando-os à lutar. De pouco em pouco a população aumenta, mas os soldados não recuam. Vitória não atentou à um soldado atrás dela que a derrubou e tentou desarmá-la. Ela tentou revidar, mas ele era insistente. Rasgou as suas vestes, deu tapas e socos quando uma espada vai ao encontro de sua cabeça. Era Robespierre.
   Não ligou se os seios estavam nus ou não, ela só queria continuar lutando até conquistar sua liberdade. A população aumentou, os rebeldes agora já se tornaram milhares fazendo os soldados recuarem. Robespierre proclamou o lema e milhares de vozes se juntaram à ele. Vitória encontrou uma bandeira da França, um pouco suja. Ela ergueu-a e usou de todas as forças para proclamar junto aos franceses a célebre frase do que ficou conhecida como Revolução Francesa: 
     - LIBERDADE, IGUALDADE, FRATERNIDADE! 









Autoria: Wanderson Galeno Silva

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